domingo, 24 de abril de 2016

1000 Milhas Honda Forza 125cc em menos de 24 horas



Os motociclistas
EDUARDO NOGUEIRA, 37 anos, desde pequeno que as motas foram a paixão que fazia rodar a cabeça atrás de qualquer uma que se cruzasse no seu caminho. Com algumas viagens no seu currículo desde a Europa ao Norte de África e muitos milhares de km, o gosto pelas duas rodas está para ficar. Gosta de tudo programado ao pormenor e cumprir horários faz parte da sua forma de estar. Insistente quanto baste, consegue sempre atingir os seus objetivos.
RUI SILVA, 34 anos, apaixonado pelas duas rodas, conta já com muitos milhares de km em duas rodas, seja no dia-a-dia em que anda sempre de mota, seja em viagens de várias semanas pela Europa ou Norte de Africa. Facilmente se adapta a novas e imprevistas situações, nunca achando que não consegue fazer aquilo a que se propõe. Desistir não é opção.

Iron Butt Saddlesore 1600Km
Mas afinal, que coisa de nome estranho é esta da Iron Butt Association e que prova é esta de fazer 1000 milhas em 24horas?
A Iron Butt Association (IBA) é uma associação norte-americana dedicada a promover e certificar seguras e longas viagens de mota em curtos intervalos de tempo. Imensamente conhecida no panorama norte-americano, na Europa não é assim tão frequente os motociclistas saberem da sua existência.
De entre as diversas provas que a IBA propõe, a mais frequente é precisamente a SaddleSore 1000 (1600 Km). Essencialmente esta prova consiste em percorrer 1000 milhas (1610km) num intervalo de tempo máximo de 24 horas.
O processo de certificação da viagem decorre de acordo com rígidas normas que implicam, por exemplo, a existência de testemunhas no início e no fim da viagem, ter comprovativos devidamente identificados e datados de pontos-chave do percurso, entre outros. Assim, garante-se que o certificado entregue é realmente entregue a alguém que o mereceu e que cumpriu as normas exigidas.
Não há prémios, taças ou medalhas. Há apenas um papel impresso que diz que fizemos determinados km em determinado tempo. E isso basta! Fazer um IronButt é um desafio de superação pessoal, não uma busca de reconhecimento ou um prémio. O prémio são os km feitos e o certificado é apenas um bónus.


Honda Forza 125
Na semana que antecedeu o evento “1000 milhas @ 125cc” tivemos oportunidade de circular com as Honda Forza 125cc que nos foram gentilmente cedidas pela Honda Portugal e pelo concessionário Motoboxe Porto. No caso da Forza de cor preta esta foi entregue com 0 km pelo que consideramos adequado fazer uma rodagem suave, sem acelerações a fundo nem atingir velocidades que exigissem rotações elevadas do motor. Esteticamente é sem dúvida uma moto com um porte imponente que engana à vista o motor que esconde, quem não conhece o modelo pergunta se é uma 300 ou uma 500. Consideramos que esta será uma das scooters com melhor estética do mercado sem comparar cilindradas ou outras características técnicas, preenche completamente as nossas ideologias com linhas suavemente agressivas, um “olhar” intenso com recurso a faróis LED e dimensões bastante generosas.
O espaço de carga da Forza é fenomenal, por baixo do banco esconde-se espaço suficiente para transportar dois capacetes integrais, para quem pensa em viajar equivale praticamente a duas malas laterais conseguindo um espaço de carga generoso. Na frente encontra-se um porta-luvas desenhado para uma garrafa de água sobrando espaço para colocar a carteira e mais alguns pequenos artigos. A tomada de isqueiro neste local permite o carregamento dos habituais gadgets de viagem, sejam o telemóvel, GPS, MP3, etc. Para quem o espaço de carga nunca é suficiente, a moto vem praticamente pronta para colocação de um suporte para topcase, o que aliando aos 48 litros de capacidade de carga de origem poderá mesmo ser mais que suficiente para uma viagem de férias a dois!
Quando premimos o botão Start soa a um modelo já bem conhecido, a PCX está cá escondida! Esta ideia fica exclusivamente com a moto ao ralenti, mas desaparece depressa quando saímos para estrada. A Forza tem um motor suave, linear e calmo, não sentimos nenhum pico de potência que nos deixe verdadeiramente deliciados mas se entrarmos em estrada aberta a facilidade com que ultrapassa os 100km/h e mantém-se acima dessa velocidade impressiona! Esquecemo-nos de que estamos numa 125 e em autoestrada não precisamos de olhar pelo retrovisor para confirmar se vamos ser ultrapassados por algum camião, o motor da Forza consegue circular suficientemente rápido com suavidade e consumos realmente baixos. Os estimados mais de 1610 quilómetros seriam uma prova dura para qualquer moto, mais ainda para uma moto com uma cilindrada tão pequena, classificada como citadina. Os pneus largos transmitem bastante segurança, aliados ao sistema ABS e ao baixo centro de gravidade torna-se numa moto com boa capacidade a curvar e um sistema de travagem bastante eficiente. A suspensão é totalmente adequada à moto, em autoestrada absorve bem as irregularidades sem nunca perder o controlo, em paralelos ou piso irregular consegue ser confortável e absorver com eficácia as irregularidades sem causar danos à coluna. A posição de condução é extremamente relaxada, permite esticar ligeiramente as pernas, os braços numa posição relaxada com os cotovelos a 90 graus. O banco é de luxo mesmo com mais de 20 horas de condução não causa qualquer mazela ou desconforto.
O vidro regulável foi uma surpresa, o sistema é de fácil utilização sem necessidade de utilizar ferramentas para o posicionar. Na posição mais alta protege completamente o tronco só sentindo algum vendo no topo do capacete, na mais baixa podemos circular a sentir o vento, o que é bastante agradável em cidade nos dias mais quentes de Verão.
Comprovamos o bom funcionamento do sistema Start & Stop, demorando cerca de 3 segundos para desligar a moto (quando o motor está quente) e o arranque pouco percetível bastante fluído, praticamente não ouvimos nem sentimos o motor de arranque a entrar em ação.


Introdução
Cada vez que saímos para um passeio de moto, independentemente do motivo, terminamos o mesmo a combinar mais um passeio ou outra “aventura”. Em 2013 fomos à concentração de Faro e mais uma vez aproveitamos para percorrer a nossa estrada de eleição, a Nacional 2. O Rui aproveitou para conhecer melhor a PCX, acompanhado pelo Eduardo na sua Varadero nesta tirada de Chaves a Faro. Aguentamo-nos razoavelmente em percorrer os 750km num só dia e rapidamente começou a crescer a ideia de fazer um “Iron Butt” (cu de ferro), conceito que se baseia em fazer 1000 milhas num período máximo de 24 horas contínuas. Conversa puxa conversa ficou no ar a ideia, com motos de média cilindrada e com velocidades no limite legal parecia um desafio “demasiado” fácil, pelo que procuramos informação e registos na página da Iron Butt Association (IBA) e encontramos muito poucos registos na categoria de scooters, tendo a IBA até criado uma categoria especial para cilindradas abaixo dos 300cc por causa dum motociclista americano que fez a prova numa scooter com 298cc nas 24 horas limite. Aproveitando a experiência que tínhamos com a Honda PCX surgiu a ideia de percorrer esta distância numa 125cc e sem dúvida que a Honda Forza foi a escolha acertada!





Crónica desta aventura
Depósitos cheios às 04:22, os pouco mais de 10 litros por depósito deixam muita inveja a quem anda de automóvel e precisa de depósitos superiores a 35 litros para percorrer a mesma distância… Seguimos pela A1 em direção a sul maravilhados pela excelente iluminação LED, com extrema precisão na direção da luz e na qualidade emitida. Estávamos “frescos” e a temperatura ajudava, só paramos em Tomar para abastecimento, as motos ainda não se encontravam na reserva, mas verificamos uma autonomia relativamente baixa que se deveu ao vento contrário que se sentia e velocidade de circulação quase no limite do razoável da Forza. Mesmo assim uma média de consumo aceitável para as velocidades que circulamos, foi a nossa pior média da viagem e rondou os 3,6 l/100. Seguimos pela A23 onde nos apercebemos que a viseira solar incorporada no capacete torna-se indispensável sobretudo no nascer e por de sol quando este incide diretamente contra nós.


O percurso foi definido a tentar evitar esta desvantagem, mas não sendo totalmente possível evitar o desconforto provocado pelo sol e quando se percorre estradas montanhosas a luminosidade pode mudar radicalmente pelo que é bem mais simples a viseira interna que a utilização dos tradicionais óculos que obriga a paragens para a colocação ou remoção dos mesmos em segurança. 


Saímos na IP2 em direção a Elvas, percurso feito na ordem dos 90 km/h e com médias muito próximas dos 2l/100. A estrada é excelente e foi o troço mais agradável da viagem. Fomos obrigados a “desviar-nos” dos pássaros com muita frequência, eram imensos e faziam pontaria às motos, tivemos sorte e não ocorreu nenhum encontro imediato! Este era o fim-de-semana da operação de controlo de velocidade e encontramos alguns radares escondidos atrás de arbustos ou placards informativos, juntos a carros descaracterizados e sempre posicionados nas longas retas.


Entramos em Espanha, desapareceram as portagens e o custo de combustível baixou. Para comprovar o registo do percurso abastecemos em todos os pontos de viragem, em Mérida fizemos mais uma paragem e abastecimento, já o sol estava forte e o dia bem agradável.

Foi nesse momento que pela primeira vez tivemos consciência que seriamos capazes de conseguir levar esta aventura a um final de sucesso, pois encontrávamo-nos algo adiantados no tempo para a distância percorrida. Foi uma paragem importante, pois permitiu descontrair um pouco e ficar com a noção que íamos com margem suficiente para algumas paragens de descanso e não apenas para efetuar abastecimentos sob pressão. Sorrimos, ficamos animados e mais relaxados.

O percurso inicial foi redefinido com alguns cuidados, um dos quais evitar ir em direção a Sevilla pois a viagem coincidiu com a prova do MotoGP em Jerez de la Frontera pelo que havia uma forte possibilidade de operações policiais intensas e longas filas nos abastecimentos, situações demoradas que pretendíamos evitar. Seguimos para Norte em direção a Salamanca, a Forza 125 rolava mais suavemente sem o forte vento que sentimos durante a madrugada, o piso era agradável e o trânsito era pouco! Tudo corria de feição na nossa viagem. As cidades com que nos cruzamos só podiam ser observadas por nós ao longe, demos preferência às vias rápidas e procuramos fazer as estradas circulares às cidades, evitando trânsito, semáforos e as limitações de 50 km/h nas localidades.


Não chegamos a entrar em nenhum bar ou restaurante para as refeições. Durante as paragens ingeríamos um petisco, uma barra de cereais ou uma sande sem sequer nos sentarmos face à necessidade de manter as pernas esticadas. Ao recorrer a refeições leves evitamos o sobre esforço do estômago para uma refeição mais completa e desta forma não sentiríamos a tradicional sonolência após almoço.


Na zona de Valladolid já contabilizávamos cerca de 12 horas de viagem e o cansaço começava a sentir-se, mas ao contrário do que seria esperado o banco da Forza é de um conforto fenomenal além de que a posição de condução é bastante relaxada, os braços ficam com os cotovelos num ângulo praticamente perpendicular e só peca por não ser possível esticar completamente as pernas. O vidro na posição mais elevada permite uma boa aerodinâmica e o pouco peso do capacete XT1 da Nexx não se fazia sentir, além de que a insonorização do mesmo é bastante adequada para a utilização do intercomunicador com conforto auditivo, permitindo ouvir música e evitar a melancolia das longas retas Espanholas.

A partir de Burgos a paisagem mudava, seguimos em direção a Oeste no “regresso a casa”, pelo que à nossa esquerda tínhamos planícies a perder de vista com um leve verde primaveril, à nossa direita víamos a cordilheira dos Picos da Europa ainda com muita neve. Os peregrinos nos caminhos de Santiago seguiam paralelamente, no mesmo sentido que nós e embora ainda tivessem de percorrer aproximadamente a mesma distância que nós, ainda distavam muitos dias de caminhada para o seu destino. 


Em direção a Este o sol escondia-se atrás das montanhas de Sanabria, Portugal estava mesmo ao nosso lado mas ainda faltam algumas centenas de kms e algumas horas para terminarmos a nossa viagem. Em Verín fizemos uma pequena paragem onde os pais do Eduardo aguardavam-nos. 

A sensação de regresso já tinha ocupado a nossa mente e é nestes momentos que as viagens se tornam mais perigosas, nos momentos que estamos mais seguros e confiantes cometemos mais erros, fazemos manobras mais abusivas e andamos no limite com a ansiedade de chegar a casa. Por este motivo é necessário respirar fundo e ter consciência que o importante é chegar em segurança, cometer erros nesta fase e deitar tudo a perder é totalmente desnecessário. A autoestrada A52 é esplêndida sobretudo entre Verín e Vigo, com muita montanha e muitas curvas o que a torna perigosa sobretudo durante a noite.

Em Tui paramos novamente, desta vez para o último abastecimento da nossa “epopeia”, estávamos com tempo de sobra e em conversa decidimos abrandar ligeiramente o ritmo para apostar ao máximo na segurança. Conhecemos bem a A3 e como prevíamos que iriamos chegar três horas antes do nosso tempo limite, circulávamos satisfeitos, com sorriso de orelha a orelha, o cansaço não se sentia. Obviamente que com quase 20 horas de condução quase contínua os músculos pediam descanso, as luzes das restantes viaturas obrigavam a semicerrar o sobrolho e os punhos pediam liberdade do guiador. Mesmo assim, consideramos que estava a correr extremamente bem.


Os comunicadores nos capacetes permitiram avisar a família que preparou uma minicomitiva na bomba de combustível de chegada. Após 20 horas e 12 minutos repetimos o procedimento inicial e colocamos combustível nas motos de forma a guardar o talão como comprovativo. Tudo correu de feição, as motos comportaram-se lindamente, o equipamento esteve à altura sem dores de cabeça ou ouvidos provocadas pelo ruído da estrada. Não se verificaram problemas mecânicos ou um único furo. O cansaço que sentíamos era dissimulado pela alegria do nosso objectivo atingido, conseguindo comprovar que motociclos de 125 centímetros cúbicos conseguem percorrer as mesmas distâncias que motos de grandes cilindradas com um conforto elevado, que na nossa opinião, pode ser mesmo equiparado. Percorrer longas distâncias, seja em deslocação de trabalho ou turismo, em viaturas económicas e práticas como este tipo de scooter é perfeitamente plausível!

Julgo que a nossa experiência poderá ajudar quem pretende fazer longas tiradas, independentemente da moto, pelo que partilhamos as nossas sugestões para realização de uma viagem mais segura:
  • Certificar que a moto está em condições de segurança para percorrer uma longa distância.
  • Colocar a pressão adequada nos pneus (a frio).
  • Recorrer a material de proteção com alguma utilização e comprovadamente confortável (casaco, capacete, luvas, botas,…).
  • Garantir que as noites anteriores foram revigorantes, longas e com sono de qualidade.
  • Acordar durante a madrugada e evitar passar a noite na estrada no final de um dia cansativo, consideramos que se o objetivo é circular 24 horas seguidas devem recorrer à circulação noturna enquanto estão mais frescos.
  • Optar por um maior número de paragens, ainda que mais curtas, em alternativa a poucas paragens de períodos alargados.
  • Nunca circular mais de 2 horas seguidas, mesmo que se sintam confortáveis façam uma pequena paragem.
  • Aproveitar as paragens para fazer alguns alongamentos com objetivo de evitar dores musculares e beber bastantes líquidos (água e bebidas que reponham eletrólitos).
  • Circular em velocidade de conforto, procurar o ponto ideal de aerodinâmica em que sentimos algum vento sem que este cause cansaço.
  • Optar por refeições ligeiras, comer pouco, mas com regularidade. Estômagos cheios ou refeições pesadas são aliadas do sono.
  • Em caso de sono, parar e descansar, não existe nenhuma viagem que justifique colocar a segurança em perigo.


Consideramos que as nossas estatísticas não demonstram a verdadeira economia da Honda Forza 125cc no dia a dia, mas permitem ter uma ideia das suas capacidades e performance para longas viagens. Durante a semana anterior ao evento verificamos que os consumos rondaram os 2,3 litros em percursos citadinos sem quaisquer preocupações com médias de consumo de combustível, no nosso evento o seu consumo foi de um litro acima, o que é bastante reduzido para as velocidades que circulamos. Partilhamos o registo dos dados estatísticos verificando apenas uma ligeira diferença na distância percorrida que consideramos ter sido causada pela utilização de pneus absolutamente novos da Forza de cor preta quanto a outra Forza apresenta pneus com meio piso. Os dados do GPS são idênticos à moto de cor preta, que neste caso específico, verificamos coincidirem com o velocímetro quer em distância quer em velocidade instantânea.


Dados Forza preta - Rui Silva
Distância percorrida
1620,4 kms
Tempo de viagem
20:12
Tempo de circulação
17:18
Vel. média viagem
80,94 km/h
Vel. média circulação
94,72 km/h
Consumo em litros
53,89 l
Média de consumo
3,33 l/100
Custo combustível
66,77 €
Portagens Portugal
20,82 €
Portagens Espanha
0,00 €
Custo total:
87,59 €
Dados Forza branca azul - Eduardo
Distância percorrida
1624,8 kms
Tempo de viagem
20:12
Tempo de circulação
17:18
Vel. média viagem
81,16 km/h
Vel. média circulação
94,97 km/h
Consumo em litros
53,92 l
Média de consumo
3,32 l/100
Custo combustível
66,80 €
Portagens Portugal
20,82 €
Portagens Espanha
0,00 €
Custo total:
87,62 €
           

Conclusão
Porquê um IronButt? Porque vivemos com o prazer de andar de moto! Porque é um desafio! Porque é difícil! E além disso, porque não?
Feitos os kms o que tínhamos mudado? Devíamos ter tornado realidade esta aventura há mais tempo!
Para a próxima? Percorrer as 2000 milhas (3220km) em 48 horas numa 110cc

Opiniões
A Nexx, marca Portuguesa, não pára de nos surpreender!
Marca de design inovador e qualidade superior, com este primeiro modelo turístico, o NEXX XT 1, apresenta-nos um capacete mais adaptado a uma utilização turística. Alguns detalhes, que ganham extrema importância com o passar dos km, como a viseira de sol interna, a ventilação ou a ampla viseira com Pin-Lock já incluído, fazem deste capacete um aliado para quem pretenda fazer longas viagens em segurança e com elevado conforto.
Depois do teste intensivo de 1625 quilómetros, e enquanto utilizadores desde há anos de modelos XR1R (um dos quais a versão carbon), em relação a este modelo podemos referir que a diferença de peso para o XT1 não é significativa, pelo menos durante o uso não se percebe.
Em termos de conforto, para o formato das nossas cabeças os NEXX têm uma calota adequada e os revestimentos são de muito boa qualidade e visualmente também muito apelativos! A viseira de sol é um “extra” a que os habituamos muito rapidamente e que se torna quase indispensável na estrada e no entanto impercetível sem causar qualquer incómodo nem reduzir o ângulo de visão. A forma de atuação requereu algum hábito, não por ser difícil, antes pelo contrário o manípulo é bastante suave e preciso, mas apenas por falta de hábito com este sistema.
A ventilação, que não foi muito necessária pelas condições atmosféricas, sempre que abrimos os respiros sentia-se imediatamente o efeito. Pelo que pudemos experimentar, supomos que no calor do verão seja suficiente para manter o conforto dentro do capacete.
Sendo este teste intensivo realizado numa scooter, a aerodinâmica deste capacete surpreendeu pela positiva. Mesmo com ventos laterais e até cruzados, nunca sentimos nenhum impacto negativo no capacete. Não se sente que esteja a fazer esforço contra a deslocação do ar.
De certa forma relacionado com a aerodinâmica, temos o único ponto menos positivo que encontramos neste modelo: a insonorização. Esperamos sempre uma evolução e em relação aos nossos XR1R, um modelo que não foi desenhado como capacete turístico, não notamos uma clara melhoria a nível de ruído. Não nos apercebemos de nenhuma parte em particular do desenho do XT1 que fizesse ruído, mas no seu todo não o consideramos um capacete muito silencioso. Atenção que não queremos dizer com isto que seja mau a este nível ou que seja desconfortável, apenas que depois de nos termos habituado às outras características algo “luxuosas”, as expectativas eram muito altas e estas não foram ultrapassadas, apenas igualadas.
A cereja em cima do bolo, é a possibilidade de instalar o sistema Bluetooth X-COM (da SENA) que depois de instalado nem se percebe que existe! O controlo está perfeitamente enquadrado no design do capacete e todos os componentes, como a bateria por exemplo, têm também o seu espaço já reservado. É mais um luxo que este modelo proporciona e que para utilização turística é perfeito. Já tivemos a possibilidade de testar o sistema BT entre dois capacetes XT1, ambos com o X-COM e só podemos dizer que funciona de maravilha! Comunicação com passageiro, indicações GPS, telefone, música… O sistema faz tudo! E faz tudo bem! Testes com comunicadores Bluetooth de outras marcas também funcionaram, sendo o X-com muito intuitivo e de facílima utilização.
1000 Milhas depois, o capacete merece a nossa “nota máxima”. Não experienciamos nada de negativo que nos faça não gostar do modelo. A questão do ruido poderia ser revista, mas não impede que o NEXX XT1 seja um capacete turístico de excelente qualidade.
Pessoalmente, a verdade é que não ficamos muito surpreendidos… Temos vários capacetes NEXX e todos eles apresentam uma excelente qualidade, design e conforto. Este XT1 não é exceção.
A NEXX, a manter esta qualidade nos seus produtos, tem-nos como clientes garantidos! Há alguns anos que nem sequer equacionamos comprar outra marca de capacetes.
Portugueses, excelente qualidade de construção e acabamentos, relação preço/qualidade imbatível!








sábado, 30 de agosto de 2014

Caminho de Santiago Central Português - Parte 2

Dia 6 – Rubiães a Tui – 23 km

Um dia com um trajecto previsto consideravelmente curto, mas sem dúvida dos mais especiais, primeiro porque a paisagem muda radicalmente, segundo pela travessia da fronteira, ter a consciência que chegamos ao país vizinho sem necessidade de meios de transporte motorizados dá-nos uma sensação de vitória. O dia (ainda noite cerrada) começou fresco, bem agradável para caminhar, como habitual a roupa ia pendurada nas mochilas a secar, motivado principalmente pelo pouco tempo que estiveram a secar no dia anterior pois um sujeito com alguma “piada” programou a máquina de lavar para mais de 3h por causa de dois pares de meias… Para ajudar a confusão matinal, levaram a toalha de banho da Andreia que estava a secar! Só mesmo antes de arrancarmos é que apareceu um alemão que a tinha utilizado por engano, tudo para acordarmos em festa e começar bem o dia! Caminhamos com alguma calma, quase sempre por zonas muito verdejantes, a quantidade de amoras era impressionante encontramos uma zona junto a uma fonte onde degustamos uma quantidade considerável, deliciosas, frescas e bem “à mão de semear”. 

Chegamos a Valença quase na hora de almoço e aproveitamos para almoçar pela última vez desta viagem em território Português. Almoçamos bem e a sangria bem fresca deu-nos força para suportar o calor que se fazia sentir, passeamos pelo forte e descansamos algum tempo no forte, no relvado sobre a sombra das árvores e com uma agradável brisa relaxamos quase duas horas, com o rio Minho e Espanha como paisagem de fundo. A travessia da ponte foi o momento mais entusiasmante, carismático e divertido do dia. A partir deste ponto encontram-se Portugueses, aparentemente a maior parte deles inicia o seu trajecto de peregrinação aqui. Os poucos quilómetros que tínhamos de percorrer até ao Albergue de Tui demoram mais que o previsto, o calor era muito e com a paragem de almoço caminhar custava ainda mais, para dificultar um pouco mais não se encontram indicações do caminho com a mesma frequência que em Portugal e não vimos uma única referência para o albergue. Fomos ao ponto de turismo e afinal o albergue era bem próximo…

Uma conversa rápida com a recepção e fomos aconselhados a pernoitar no dia seguinte em Mós (teoricamente menos utilizado e com melhor distribuição das tiradas. Os pais da Andreia vieram fazer uma visita a Tui, trouxeram um jantar leve que devoramos como uns alarves! Durante a noite um festival hard metal trouxe animação à vizinhança, pelo que ouvi comentar calaram-se por volta das 4 horas da madrugada, eu dormi profundamente, não ouvi absolutamente nada e usufrui de uma noite verdadeiramente revigorante.


Dia 7 – Tui a Mós – 24 km

A festa gótica a poucos metros do albergue não tirou o sono a ninguém, pelo que só notamos os elevados decibéis assim que saímos do albergue durante a madrugada. Acordamos bem cedo e mudamos a nossa filosofia de caminhada tendo como objectivo chegar ao nosso destino na hora de almoço pois chegamos à conclusão que era o método mais adequado para nós. A paragem para almoço permitia relaxar os pés, músculos e estômago, mas arrancar após esta paragem de tempo grande tornava-se muito penoso, além de que as temperaturas eram altas ajudando a desidratação, desânimo e aumentando a dificuldade.

Caminhávamos na escuridão com as lanternas de mineiro ligadas e com um elevado nível de boa disposição, até que demos pelos narizes a tentar farejar o cheiro de pão acabado de cozer… Encontramos uma padaria com a porta entreaberta e as luzes apagadas, batemos à porta e vieram receber-nos com um sorriso! Sonhávamos com pão quente com manteiga, mas lamentavelmente ainda não tinham pão fresco, os bolos que estavam no expositor eram do dia anterior e não os queriam vender, mas de seguida informaram que os croissants tinham acabado de sair do forno, pelo que, não tardaram nada a aquecer-nos o espírito, estas surpresas são sem dúvida agradabilíssimas e que adoçam a nossa viagem. 

Antes da área industrial tivemos opção de um caminho alternativo sugerido como “mais interessante”, no entanto, como queríamos manter o percurso original seguimos as tradicionais setas amarelas. Esta opção deixou-nos desiludidos pela longa travessia na área industrial sem interesse com aspeto cinzento e triste, mesmo assim considero que tivemos alguma sorte por percorrermos esta zona num Domingo pelo que o trânsito era inexistente e o ruído era pouco. Optamos pela estadia em Mós onde constatamos que o albergue era agradável, mas pequeno, tivemos sorte pela hora da chegada que permitiu-nos descansar uma boa parte da tarde. Um grupo com cerca de quinze escutistas que arrancou de Valença neste dia, chegou ao albergue às 18h vendo o seu acesso negado, pelo que nos disseram no dia seguinte que tiveram de caminhar mais 10 quilómetros e pedir alojamento num posto da polícia que conseguiu ceder um espaço para dormida no quartel dos bombeiros. É um risco percorrer o caminho de Santiago com um grupo grande caso pretendam ficar todos no mesmo alojamento. Depois de uma pequena passeata, muito pequenas pois as bolhas não permitem grandes viagens, sem muitas alternativas para jantar fomos a um dos dois restaurantes locais em que ambos disponibilizavam menus de peregrino. Deitar cedo é das melhores opções para uma boa gestão de esforço e assim o fizemos!


Dia 8 – Mós a Pontevedra – 32 km

Caminhar junto ao rio pelo meio das ervas altas carregadas de orvalho, ouvir a natureza a acordar longe dos ruídos da cidade e ver o nascer do sol a limpar as nuvens do céu acalma-nos o espírito. Numa noite cerrada e com muito frio matinal eram poucas as luzes artificiais além das nossas lanternas e uma neblina fantasmagórica. O céu limpo e a praticamente inexistência de luar permitia contemplar as estrelas e apreciar o suave amanhecer. Em Espanha somos “obrigados” a esperar pelas 8 ou 9 horas da manhã para poder tomar um café, agravado ainda pela quantidade diminuta de cafés existentes, pelo que só em Redondela conseguimos tomar a bebida energética necessária para acordar definitivamente.

Durante este dia foram muitas as vezes que percorremos junto da estrada nacional 550 e por diversas vezes fomos obrigados a atravessá-la, algo curioso, durante este dia percorremos paisagens fantásticas em trilhos isolados contrastando com zonas citadinas extremamente movimentadas. Após a travessia do rio Verdugo pela ponte romana aproveitamos para descansar as pernas na praia fluvial. Um local pitoresco e interessante com a enseada e a linha de comboio como pano de fundo, após alguma fotossíntese e um gelado continuamos a nossa caminhada. Pode ser apenas psicológico, mas a “barreira” dos 30km parece tornar os dias mais longos e um ponto antes desta distância o cansaço começa a ser refletido por todos os músculos, os pés começam a ceder e evitamos parar para que a dor provocada pelas bolhas dos pés não “reaparecer” após as paragens. Quando temos bolhas nos pés os primeiros minutos de caminhada são os mais dolorosos, com uma sensação de que as dores provocadas pelas bolhas são mais intensas enquanto estas não acamam, ou seja, no final dos dias mais longos evitamos ao máximo as paragens.

O albergue de Pontevedra tem uma enorme sala para muitos peregrinos, os cheiros são desagradavelmente intensos e o ruído é maior, existe sempre alguém a procurar algo na mochila, alguém a dormir e consequentemente a ressonar e sempre pessoas a sair e a entrar, concluindo que os pequenos albergues são mais sossegados e tranquilos. Com a tarde livre relaxamos um pouco a ir ao centro de Pontevedra e aproveitando para fazer as compras para o jantar, após isso descansamos pelos espaços relvados do albergue que já se encontrava totalmente lotado. Vimos alguns panfletos interessantes, um dos quais em que o caminho de Santiago era percorrido de barco até Pontecesures. Parecia interessante até perceber que se tratava de fazer uma distância maior num barco a remos…


Dia 9 – Pontevedra a Caldas de Rey – 28 km

Atravessar Pontevedra pela madrugada deu-nos uma perspetiva muito interessante da cidade, a neblina matinal e o silêncio associavam-se aos filmes de terror e aos momentos que antecedem o aparecimento do assassino, obviamente era um ambiente curioso, mas extremamente interessante passear por uma cidade destas, totalmente deserta. O contraste de sair de uma cidade histórica e regressar ao caminho por entre bosques e a natureza, com pontes pitorescas e assistir novamente ao nascer do dia e ouvir a vida a despertar, também nos dá uma nova vida.

Após caminhar uns dez quilómetros, no meio do “nada” ofereceram um panfleto promocional de pequeno almoço, na aldeia seguinte a cerca de trinta minutos de caminho. Uma vez que a fome já apertava e mais ainda a necessidade de um café, paramos para o pequeno almoço em que tinha como oferta uma lembrança, uma vieira com a mensagem “Una tortuga conoce mejor el camino que una liebre”. Facto curioso, mas a verdade é que percorrer um caminho a pé dá-nos uma perceção totalmente diferente e a partir deste momento questionamos dezenas de vezes se ao passar por um determinado local num veículo motorizado conseguiríamos ter a mesma visão e valorizar o que calmamente observávamos. Ao fim da manhã encontramos um peregrino a lavar as suas mantas num tanque público, o que nos intrigou, mas apenas descobrimos o motivo no dia seguinte. Próximos de Caldas de Rey a Proteção Civil percorria o caminho de Santiago a questionar os peregrinos e questionava se estava tudo a correr como expectável e se não tínhamos verificado nenhuma situação suspeita. Esta questão deixou-nos com um misto de preocupação e desconfiança, mas esclareceram-nos que era prática habitual e que este procedimento seria apenas para tranquilizar os peregrinos.

Não eram duas da tarde e já existia espera para entrada no albergue de Dona Urraca, com nome em honra à mãe de Dão Afonso Henriques. O local era agradável e como chegamos cedo e praticamente sem dores fomos passear pela cidade termal em busca das fontes de água quente. Aproveitamos para colocar os pés de molho e relaxar num tanque para o efeito, a água estava extremamente quente, mas a sensação psicológica de relaxamento compensava e as conversas eram à volta do que já tínhamos feito e o quão pouco faltava para terminarmos a nossa epopeia.


Dia 10 – Caldas de Rey a Téo – 32 km

Noite mal dormida, conforme nos aproximamos de Santiago o tamanho dos albergues diminui e o mau cheiro aumenta. A intensidade do cheiro a suor é imensa e nestes momentos lamentamo-nos por termos de fazer uma peregrinação destas no final de Agosto. O Eduardo estava com dores nos tendões, essencialmente provocado pelo peso não ser distribuído por bastões. Foram necessárias algumas massagens e medicação para conseguir continuar caminho. Os meus pés já estavam habituados às bolhas e com alguns metros de “aquecimento” as dores praticamente desapareciam e podia seguir caminho sem dificuldades. Optamos por uma etapa mais longa e deixar o último dia com uma distância por percorrer curta, o que se traduziu numa etapa a ultrapassar novamente a barreira dos trinta quilómetros. Neste dia caminhamos num ritmo praticamente automático, o cérebro praticamente desliga-se e fica focado apenas em caminhar, a observação passa a ser automática e parece que alinhamos a nossa energia com a natureza. Não sei se por este motivo, ao tirar uma foto uma vespa asiática (não consegui distingui-la, mas posteriormente informaram-me que estava a verificar-se uma quantidade enorme de vespas nesta região) atacou-me durante um momento em que estava a tirar uma fotografia, o que se traduziu num voo de longo alcance do telemóvel, além de ter praguejado mais do que devia...

Este dia passou rapidamente por mais um misto entre vinhas, montanhas e estradas movimentadas. O número de peregrinos é significativamente maior e são difíceis os momentos que percorremos sozinhos. O albergue de Téo deixou-nos totalmente desiludidos, a nossa chegada à hora de almoço a uma casa com a porta aberta e clara noção de pouco cuidado deixou-nos com algum receio e principalmente desconfiança. Mesmo sem ninguém na receção que continha um aviso a indicar que a abertura seria às 19h, subimos ao primeiro andar e ocupamos os beliches a nosso gosto. Ao olhar para o teto estranhamos a existência de inúmeras marcas de sangue em todas as direções, imagem desagradável, que julgávamos ter sido causada ao longo de longos anos com pouca manutenção, mas estávamos enganados! Um painel na zona de receção pedia aos peregrinos cuidado acrescido com a higiene uma vez que estiveram encerrados recentemente motivado por uma infestação de “chinches”, ao que subimos novamente ao primeiro piso e lá estavam eles, dezenas (talvez centenas) de percevejos por todo o lado, nos locais mais recônditos e inesperáveis. Durante umas duas horas estivemos num misto de entretenimento e fúria com caça o chinche recorrendo aos bastões, botas e outros utensílios que nos permitissem resolver o problema o mais rapidamente possível. A alternativa de ir para outro albergue obrigaria a caminhar uma distância considerável que ultrapassava as nossas forças pelo que suportamos em passar a noite nestas condições. Durante a tarde o albergue encheu rapidamente e entre um largo número de peregrinos Portugueses um casal Espanhol percorria o caminho com os seus dois filhos. Cada membro familiar trazia a sua própria mochila, o mais novo deveria ter cerca de 12 anos e assim que os pais disseram que iriam pernoitar ali, atirou a mochila para o chão e começou a correr e a saltar. Percorreu-me um sentimento de estranheza e alguma inveja, as dores de colocar os pés no chão eram muitas e um jovem com toda aquela energia fez-me sentir totalmente parvo! Felicidade a dele, mas senti que estaria a gozar com os “velhinhos” como eu…

Jantamos no restaurante mais próximo onde nos reunimos com um grupo de Portugueses que nos contaram a “história de António”. No dia anterior cruzámos-nos por um peregrino a lavar mantas num tanque público, um peregrino que seguia em direção a Fátima ao cruzar-se com este grupo de Portugueses deu-lhes um pacote de bolachas já semiaberto pedindo para entregar o mesmo ao peregrino que iriam encontrar uns metros à frente junto a um tanque, dizendo-lhes que “estas bolachas fazem me falta, mas fazem mais falta a esse peregrino, por favor dêem-lhe o resto deste pacote”. António de seu nome, era um Português que após um acidente recebeu a triste notícia de que não iria voltar a caminhar. Este prometeu a Santiago que se voltasse a andar iria percorrer os caminhos de Santiago. Assim o fez e já percorria os caminhos há alguns meses, mas a sua pensão de invalidez que deveria chegar no início do mês estava atrasada e já perfaziam três dias que dormia ao relento e não tinha dinheiro para uma refeição quente. Como um azar nunca vem só, após dormir num banco de jardim envolto nas suas mantas, ausentou-se uns minutos para tratar da sua higiene num local mais recatado, mas apareceram alguns cães que lhe urinaram as mantas. A solidariedade fez com que este grupo de Portugueses lhe desse algum dinheiro que este agradeceu com lágrimas no rosto pelo acesso a uma noite protegido e a uma refeição quente. São estes momentos que nos apercebemos de qual o verdadeiro significado do caminho, da partilha, de percorrer uma viagem e termos a capacidade de aceitar os outros como iguais.


Dia 11 – Téo a Santiago de Compostela – 18 km

Quando acordei dei conta que a Andreia já estava a pé, aparentemente há bastante tempo, o pouco que dormiu foi com muito calor de estar totalmente dentro do saco cama, 100% fechado com receio dos percevejos. Não ficou apenas pelo receio, a quantidade de percevejos era assustadora, os bichitos escondem-se nas costuras das mochilas e da roupa piorando o facto de serem escuros e pequenos, quase imperceptíveis. Perdemos mais de uma hora para efectuar a análise e limpeza de material antes de o guardar na mochila e ficamos irritados pelas condições do albergue. A habitual vontade de encontrar um café para ajudar o despertar era maior que o habitual e o mau humor de uma noite má dormida estava bem presente.

Ao terminar a subida na última serra avista-se Santiago de Compostela ao longe, como um postal, com dificuldade encontramos a catedral que temos como objetivo. A caminhada era bem mais animada e o episódio dos “chinches” começava a ser esquecido. Entrando em Santiago as indicações desaparecem, as setas amarelas não se encontram na cidade e vamos questionando com frequência se seguimos o percurso certo, pois um erro numa caminhada é pago não só em tempo como em esforço. Finalmente a população aumentava e notávamos que estávamos próximos do centro, paramos num posto de turismo em que a funcionária destacou as várias possibilidades das diversas entradas dos caminhos de peregrinação até à catedral.

Chegamos à catedral!!! O peso da mochila sai-nos das costas e respiramos profundamente, os sorrisos dos peregrinos em nosso redor é contagiante, também nós sorrimos, também nós pousamos o nosso fardo e ficamos a contemplar a catedral. Na realidade não é na catedral que a nossa mente está focada, mas sim em todo o caminho que percorremos nestes dias, nas histórias que cravamos na mente e na beleza tão simples de caminhar. Dirigimos-nos à secretaria para recebermos a merecida Compostela, pelo caminho fomos à fonte dos cavalos para regressarmos a Santiago de Compostela. Na fila de espera da secretaria observamos os rostos dos peregrinos que aguardam o certificado, entram com um sorriso, saem com lágrimas de felicidade abraçando os seus amigos. Chega a minha vez, perguntam porque motivo fiz o caminho e respondo quais razões me levaram a esta viagem. Questionam qual o meu nome, a funcionária que me atende escreve-o em latim na Compostela, lê-o em voz alta, coloca o último carimbo na credencial e entrega-me com um largo sorriso. Por vezes não são necessárias palavras para transmitir sentimentos, os olhos cintilam e ao chegar ao exterior dou um forte abraço à minha esposa. A nossa etapa terminava aqui, mas a nossa viagem ainda está no início…


Nota pessoal


Considerei esta experiência das mais interessantes que fiz até hoje, as paisagens que vimos, os trilhos que percorremos, a partilha de experiências e todas as motivações que nos levam a percorrer o “caminho” faz-nos crescer. Cada um tem os seus motivos, cada um percorre o caminho a seu ritmo, esteja este sozinho ou acompanhado. Foram muitos os momentos em que as dores nos pés eram intensas, mas nem por um segundo ponderei desistir. Mais uma vez reaprendi que o importante nunca é o destino, mas sim a viagem…

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Caminho de Santiago Central Português - Parte 1

Dia 2 – Canelas (Rechousa) a Vilar – 30 km

Acordamos com um dia chuvoso e intenso nevoeiro, prometiam não facilitar o nosso caminho. Ajustamos uma vez mais as mochilas e de repente decidimos em não levar a colchonete, não só pelo peso, mas principalmente pelas suas dimensões (descobrimos posteriormente que foi aposta acertada). Recorremos ao guarda-chuva e ao casaco quase impermeável para nos protegermos da chuva, de seguida iniciamos o caminho com muitas incertezas mas muito entusiasmo, tudo isto era novo para nós e embora eu já tivesse experiência de algumas caminhadas no tempo de escutista, esta viagem seria totalmente diferente. O dia anterior, mesmo com uma etapa tão curta e sem a mochila já me tinha presenteado com uma bolha, conhecendo os meus pés já estava a contar com isso, mas não tão depressa...

Até chegar à ponte D. Luís não há nada de novo para ver, mas do cimo do rio a paisagem para ambas as ribeiras (Gaia e Porto) é fenomenal, mesmo no alto do tabuleiro superior sentimos-nos pequeninos com o contraste da Serra do Pilar. Não faltam indicações, basta procurar as setas amarelas e são realmente muitas, algumas pintadas com recurso a uma trincha outras com aspecto profissional, mas não que há enganar, se não encontrarem nenhuma indicação durante umas centenas de metros seguidas provavelmente perderam a saída. Após à Sé do Porto existem duas opções (eu prefiro ir pela esquerda e espreitar a paisagem), mais à frente após a Igreja da Misericórdia podemos seguir em frente e ir por Braga, ou virar à esquerda em direcção a Barcelos (o caminho de Braga ficou para uma próxima). Continuando o caminho oficial chegamos à Rua de Recarei, esta é enorme! Pelos guias que tinha lido existia uma alternativa que iria atravessa a N14, tínhamos planeado seguir este caminho, mas não nos deparamos com a saída e continuamos “sempre em frente”. Ponderamos pernoitar em Vilar de Pinheiro, mas continuamos mais um pouco (não nos sentíamos cansados e ainda era cedo) como tal paramos em Vilar, procuramos alojamento de peregrinos, mas sem sucesso. Como estávamos próximos de casa, pedimos à mãe da Andreia que fez o favor de nos vir buscar para irmos dormir a casa.


Dia 3 – Vilar a Barcelos – 39 km

A “sogrinha” madrugou e fez novamente o favor de nos levar de volta até ao ponto de paragem do dia anterior, o céu já não ameaçava mau tempo e a previsão meteorológica não sugeria chuva para os dias seguintes, mesmo assim levamos uns ponchos impermeáveis por precaução, que só no final da viagem iriam confirmar se foram boa ou má opção. Com nevoeiro cerrado, por estradas em paralelo envoltas por enormes milheirais, raras vezes nos cruzávamos com viaturas ou peões. O burburinho e agitação das cidades ficava cada vez mais longe e embora estivéssemos perto do Porto tínhamos a sensação de que já estávamos longe de casa e qualquer civilização, as pernas moviam-se mecanicamente, a sensação de peregrinação invadia a mente e sem qualquer plano para o momento seguinte limitávamos-nos a caminhar. A estimativa que tinha feito no dia anterior previa entre 28 a 30 km para este trajecto, mas ao chegar a São Pedro de Rates com mais de 20km feitos torci o nariz com desconfiança…

Fomos a um bar para almoçar qualquer coisa leve e com satisfação vimos o orgulho do dono do bar ao receber peregrinos, fez questão que assinássemos o livro de presenças (já tinha uma meia dúzia de livros totalmente preenchidos) e tirou uma foto connosco. Conversamos durante algum tempo e confirmou-me que até ao albergue em Barcelos esperavam-nos mais de 16km, o que nos deixou algo desanimados, as bolhas já me incomodavam muito, as costas da Andreia queixavam-se do peso da mochila e o calor era muito. Não tínhamos alternativa, arrancamos no mesmo registo mecânico e automático mas a paisagem mudou negativamente, zonas habitacionais, estradas movimentadas e o cansaço não permitia usufruir do caminho com qualidade. Pouco antes de chegarmos a Barcelinhos estivemos a reajustar a mochila da Andreia, o peso estava praticamente totalmente assente nos ombros e não na cinta o que obrigou a paragens e cansaço desnecessário, fizemos os ajustes necessários e as diferenças foram substanciais! Uma mochila ajustada correctamente sente-se uma diminuição de carga considerável. 

Continuamos a caminhar e ao fim da tarde chegamos ao centro de Barcelos, sentamos-nos numa esplanada para um merecido gelado. Estávamos cansados, desgastados, sujos, plantas dos pés a arder mas com um elevado grau de satisfação pelo objectivo do dia estar concluído. Iniciamos o processo de fim do dia que viríamos a repetir constantemente: lavar roupa, tomar banho, hidratar os pés, desinfectar e furar as bolhas dos pés. Jantamos num restaurante bastante económico (3€ por pessoa) e fomos descansar para o albergue onde conhecemos um peregrino de Barcelona que tinha iniciado o caminho no Porto e várias vezes se cruzou connosco até à chegada a Santiago de Compostela, precisamente no mesmo dia. Durante essa conversa acompanhada com fumeiro fatiado, entre diversos assuntos confidenciou-nos das rivalidades existentes em Espanha entre as diversas províncias, encontrava-se um ciclista das Astúrias que tinha iniciado o caminho em Lisboa, rimo-nos em conjunto e qualquer rivalidade desapareceu! Foi tema de conversa o “Peter”, este peregrino tinha começado a sua viagem à mais de um ano na Polónia, caminhou até Roma, decidiu continuar até Paris, sem desistir desceu até Saint Jean Pied de Port, percorreu o caminho Francês até Santiago de Compostela e quando chegou, algo o impediu de parar, pelo que seguiu em direcção a Fátima, cruzamo-nos com ele no primeiro dia da nossa jornada e descobrimos agora que tem um limite de 6€ diários… Percorreu milhares de kms com este limite, sem desistir, dormindo em mosteiros, albergues gratuitos, igrejas ou mesmo cemitérios ao relento. Ficamos com um brilhozinho nos olhos após esta conversa, sentimos-nos privilegiados e adormecemos tranquilos e em paz.


Dia 4 – Barcelos a Ponte de Lima – 36 km

Pouca luz raiava e o Eduardo e a Diana estavam à porta do Albergue para iniciarem o caminho deles e seguirmos em grupo a partir deste ponto. O entusiasmo deles era muito, cantavam e saltavam de euforia, algo que prometi que ia desaparecer em breve (os saltos de alegria) e comprovei ter razão no próprio dia. Considero que este troço é dos mais bonitos do caminho, ofereceram-nos fisálias e maçãs pelo caminho demonstrando o melhor da simpatia minhota. Faltavam cerca de seis quilómetros e as minhas dores nos pés eram insuportáveis, paramos em frente a um albergue particular, mas o dono aparentemente alemão, atendeu-nos com má educação e antipatia o que nos deu mais vontade ainda de chegar à pousada de Ponte de Lima que era nosso objectivo inicial.

Continuamos, pendurava o corpo nos bastões transferindo o peso possível para os meus braços, cada passo era um verdadeiro martírio para os meus pés, com bastante sacrifício continuamos a evitar paragens, embora a paisagem fosse maravilhosa não queria parar um segundo que fosse. Ao passar um parque infantil ouvi uns transeuntes a comentar “Estes vão para Santiago de Compostela, já lá fui uma vez e foi uma estafa, custou-me muito!”, questionava a amiga “Foste a pé?”, resposta “Cruzes, credo! Não! Fui de autocarro!”, ri por dentro, respirei fundo e ganhei alguma vontade. Vimos a placa que anunciava 1 quilómetro de Ponte de Lima, este último quilómetro pareceu uma eternidade, assim que vimos a pousada suspiramos de alívio, a nossa jornada estava terminada por hoje! Não me mexi mais, telefonamos para a Telepizza e após um longo duche deixei arejar os pés, como sabe bem relaxar depois da dureza de um dia como este.


Dia 5 – Ponte de Lima a Rubiães – 24 km


Acordamos cedo, aproveitamos o pequeno-almoço reforçado da pousada e despedimo-nos educadamente do recepcionista maldisposto que amuou por termos interrompido o seu jogo de solitário. O descanso é revigorante, as dores nos pés não desaparecem, mas tornam-se aceitáveis depois de 5 minutos de aquecimento, fomos directamente ao centro de Ponte de Lima procurar uma farmácia pois precisávamos com urgência de pensos para bolhas (deixei de ser o único), encontramos uma de serviço e mais uma vez atenderam com muita má disposição ao que ainda responderam que se soubessem que não tínhamos receita médica não nos tinham atendido! Ignoramos, pagamos os artigos e seguimos caminho, afinal já não faltava muito para a serra da Labruja e precisávamos de boa disposição. Cruzamos-nos com um Limarense (habitante de Ponte de Lima) que nos desejou força para a Labruja, confidenciou-nos que foi ele que colocou a placa a informar Ponte de Lima a 1km e que o fez para dar ânimo aos peregrinos, embora esta indique a distância para a periferia de Ponte de Lima. Sorrimos, agradecemos a simpatia e seguimos para a etapa “assustadora” que estaria quase a começar…

Existe um pequeno café mesmo antes da subida, aproveitamos para saborear um gelado e relaxar um pouco junto dos muitos peregrinos que paravam aqui. Encontramos dois Portugueses que iniciavam neste dia o seu caminho, com mochila bem carregada, guitarra e um cavaquinho não se avizinhava fácil o percurso, desejamos-lhes força que certamente a tinham face à quantidade de cervejas com que se abasteceram :) . Iniciamos a subida, sem dúvida dura e bastante técnica, cruzamos-nos com um peregrino asiático em direcção a Fátima, com um enorme sorriso, espanto nosso quando demos conta que trazia o calçado na mão, totalmente descalço descia a calçada de paralelos e foi impossível compreender a nossa dificuldade e dor quando vimos aquele personagem com aquela facilidade. Um casal subia a Labruja de bicicleta, ou melhor, subiam a serra a pé carregando as bicicletas claramente com extrema dificuldade. Nas últimas centenas de metros a dificuldade da subida aumenta, os bastões são fantásticos nestas situações, as pernas querem ceder e o coração acelera mas aguenta-se! O miradouro no topo tranquiliza e o cansaço atenua, a fonte com água bem fresca torna-se no prémio, agora percebemos o motivo do sorriso do asiático e também nós sorrimos.

O resto do dia foi agradável, o albergue de Rubiães é fenomenal, quase lotado na recepção disseram-nos que “aqui ninguém tem de procurar outro local para dormir, arranjamos sempre mais um colchão e espaço para mais um peregrino”, verificamos que esta filosofia não se aplica em Espanha onde a lotação de um albergue é cumprida rigorosamente. Ainda fomos a um mini mercado “já ali” fazer as compras de mercearia necessária, já estava habituado à técnica de utilizar as sandálias com as meias grossas no final do dia e os dois kms de ida e volta não custaram quase nada, os momentos que caminhamos sem mochila sentimos-nos leves!